O canapé e o dentista ou alguns sitios onde nunca se deve adormecer

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Viu catálogos, viajou na net, entrou e saíu de várias lojas de decoração, foi a leilões, bateu casas de antiguidades.
E em sitio algum encontrou o que pretendía: um sofá.
Se gostava da cor não apreciava os materiais, se a altura era a conveniente o modelo era detestável. E nada lhe servía, porque fundamentalmente não estava ciente da suas pretensões; porém, a certeza do que não quería sabia-o muito bem.
Deixou o tempo correr até se esquecer da compra do sofá novo e continuou a usufruír do velho.
Um dia, enquanto aguardava a vez de ser consultada no dentista e folheava sem se deter nas páginas de uma revista com mais de um ano, reparou aborrecida no velho canapé cor de beringela que ocupava o nicho por baixo do rasgão da janela. Primeiro só o olhou de soslaio, depois regressou lá a vista e por último levantou-se e dobrada sobre o assento, perscrutou o tecido em relevo procurando alguma eventual nódoa, falha na trama do tecido ou até um rasgão... estava simplesmente perfeito: os acabamentos em capitoné de latão avivavam aquela cor tinta e reluzente, as franjas em seda terminavam magnificamente enroscadas quase roçando o soalho mas sem o tocar, a madeira do contorno em cerejeira tinha já aquela patine ganha com os anos que lhe dava um toque aveludado só de o olhar.
Sentou-se e de imediato sentiu uma fornalha acesa nas nádegas, nas coxas até à curva dos joelhos. Pousou as mãos no assento, paralelas às pernas e a mesma sensação morna e confortável lhe tomou os dedos, os pulsos, subindo vagarosamente até aos ombros, pescoço, aquecendo as orelhas, as maçãs do rosto.


Como se estava bem naquele canapé!


Afagou o tecido meigamente, deslizando a palma da mão até à moldura de madeira rica em cerejeira; observou os seus dedos rosados contrastando com o tom encarniçado do estofado e reparou que um enorme anel de pedra amarela brilhava no seu indicador... Surpresa, viu o seu regaço coberto de uma saia longa de seda rosa cardeal e arminho; olhou o chão e não encontrou os seus pés: escondidos sob aquele tecido viu espreitar as biqueiras de umas chinelinhas bordadas à mão, em fio de ouro e prata: Ergueu-se assustada.
As mãos apalparam sob a pesada saia de seda uma armação rigida, formando duas conchas abaixo da cintura que lhe davam umas ancas volumosas e estreitavam o abdominal, agora espremido num espartilho branco que junto ao decote vomitava uns seios demasiado generosos para passarem despercebidos. O pescoço alvo e longo embebía-se de fiadas de pérolas frias e nacaradas. Passou a mão pelo rosto e sentiu um pó macio que lhe veio colado aos dedos e por instinto, sacudiu a cabeça mas um peso inusitado deduziu-lhe rápido que envergava uma cabeleira.
Mirou o seu reflexo nas vidraças da janela e encontrou-se empoada e de sinal postiço de tafetá preto no queixo.
Atrás de si ouviu a porta da sala de espera do consultório abrir-se e com grande espanto seu, viu a assistente do dentista entrar de touca de renda, corpete vermelho, saia e avental compridos, empunhando um castiçal de seis velas que aportaram uma luxuria nunca antes sentida.
Não teve tempo de proferir um som que fosse, pois logo atrás entrou o dentista, agora paramentado de calções de cetim amarelo, jaqueta bordada, peruca branca e lenço de renda na mão direita.


Dobrou-se gentilmente abrindo num gesto suave os braços e avançou na direcção dela, tomando-lhe a mão e repenicando um beijo húmido de saliva.
Ela sem fôlego para retorquir de tanta surpresa apenas abría a boca atavida de um carmim berrante destacado pelo pó que lhe descorava a face.
Sentaram-se os dois na beira do canapé, pernas na diagonal, roçando os tecidos que cobríam os joelhos. Ele reclinou-se sobre ela agarrando-lhe o queixo e num trejeito infantil ordenou-lhe que abrisse a boca. Ela obedeceu e enquanto ele arregalava os olhos para aquela toca molhada e vermelha o fura-bolos penetrava no rego dos seios apertados fazendo-a arfar como uma tísica. Depois mais afoito, foi-lhe descobrindo o colo níveo e macio ladeado pelo decote de arminho e num repente de animal atirou-se ao peito dela mordendo como quem come uma maçã.
Ela guinchou.
Ele levantou-se como uma mola e ágil de mãos desabotoou duas fileiras paralelas de botões na frente das calças, tombando um quadrado de tecido à laia de portinhola e desvendando um pano cru com nódoas amarelentas por baixo que lhe tapava mal um desejo em riste.
Ela soltou um gritinho de satisfação pela imagem em frente ao seu rosto e sem demoras ele empurrou-a para o leito do canapé, levantando-lhe as pernas ao alto, chinelinhas de bordado abanando na ponta dos pés miúdos, fitas rosas apertando meias altas até às coxas, panos de linho rachados ao alto preparados para facilitar a força da natureza e reveladores de uma exuberância capilar negra que muito se assemelhava a um focinho de gato assanhado.


Empoleirava-se ele nas biqueiras para com mais convicção domar aquela coquette, inchando os gémeos, agitando-se a peruca dela e a dele no rabicho preso num atilho de veludo negro, enquanto ela apertava os próprios seios vincando-os com o anel de pedra amarela.
Num frémito o dentista agitado babou-se e o canapé cor de beringela rangeu ao som de gemidinhos curtos e rápidos dela.
Entrou de novo a assistente de touca de renda, que trazía agora nas mãos um pano alinhado que entregou a ela ainda reclinada e descomposta, saias num desalinho amontoadas entre folhos, fitas e peruca à banda, seios inchados e descobertos pelo tumulto da manipulação.
Ele já refeito, repetiu o gesto delicado do cumprimento e recuando saíu em vénias, apenas restando a visão daquele lencinho a abanar.


Sentiu que alguém a chamava, a sacudiu um pouco até, um dedo a tocar-lhe no braço... soergeu-se, apurou a voz e a compostura, juntou os joelhos apartados e esticou num gesto a saia travada, passou a mão no cabelo alinhando-o atrás da orelha... a assistente com um trejeito malicioso olhava-a e repetiu que o "Dr. está à sua espera, vamos?".
Já de pé olhou ao redor e notou por baixo do rasgão da janela, o canapé que tinha prendido a sua atenção: achou-o velho e gasto, com molas partidas e covas no assento, uma lasca na madeira do rebordo, falta de latão no capitoné.
Reconheceu que tinha adormecido e aquele sonho não tinha passado de um devaneio do seu subconsciente focado na procura de um sofá. Esboçou um sorriso e olhou uma última vez o velho canapé, encontrando-lhe já na saída, uma pequena mancha escura e molhada, fresca de quem fizera amor.



(Dezembro/2005)

3 comentários:

marisa disse...

adorei!
Até no erótico és mestra, uma vénia de admiração.
(e viaja-se mesmo no tempo com as tuas palavras!)
beijos
marisa

Mateso disse...

Não sei bem o que comentar, palavra...
Vamos lá.. a pequena procurava o sofá ou o imaginário tão à la court de Louis XIV? Il me semble que la coquette s'en va...ou s'Y va?
Um espec
taculo de cores e sentidos, minha querida.Parabéns.
Um Bjinho

SONY disse...

Hahaha ainda me recordo deste texto também e como o comentei na altura...o meu dentista :-)
hahaha fizeste-me rir :-)
adoro este teu blog tens aqui os melhores :-)
ADORO-TE
Beijo, Sony