O mês dos gatos

 

 
 
 
Quem nunca conviveu com gatos acha que esta é uma espécie a evitar: são traiçoeiros, escapadiços, independentes, incapazes de afecto à mão amiga e para os supersticiosos, malditos. Sobretudo se forem de pelagem negra, como diz a crença popular.
No entanto, em Janeiro, sempre se fala deles como um mito de folguedo e regabofe, namoro e loucura, barulho e noites mal dormidas.
Há no imaginário um telhado alumiado por uma lua cheia, gorda e brilhante em que se destaca o recorte esguio de um felino de pescoço esticado, silvando e miando tormentos, na tentativa de cativar a atenção de uma gata dengosa, que de cauda vertical e ondulante aguarda as ofertas dos outros pretendentes para depois, se deixar levar na mordida da paixão sem cuidados pelo casaco de pêlo farto, tão estimado até então.
E vem isto a propósito do mês das eleições.
Ora, tal como os gatos, andam também os candidatos a miar para que a conquista seja sua: dos púlpitos, comícios, almoçaradas e jantaradas fizeram os seus telhados; silvos que penetram na nossa cabeça, encantam os nossos sentidos e levam-nos à convicção que de facto sim! Este gato merece! E se não sentimos de imediato o ferrão da dentada no nosso pêlo coçado mas conservado, é porque estamos em paixão, com o coração aos pulos e o voto dobrado a entrar de esguelha na urna.
No final, quem leva a melhor é a gata: ela pode ser namorada por quantos parceiros entender, acrescido da mais valia de que todos podem ser pais das suas crias, não havendo o latifúndio do escolhido.
Assim, parece que andamos nós…na acção e na emoção, na cor e na convicção: será este gato o pai da nação?
E não bastando o seu desempenho profissional, mostram-se agora os felix no seu habitat natural: como bons caçadores de ratos a prover a crise económica; a andarem de pata em pata por cordas de roupa bamboleantes mostrando uma atitude de pulso, segura e destemida que não os impede de chegar ao destino; percursos marcados por urinas, patadas e encostos de bochechas que delimitam cada distrito como uma intenção de voto.
Lá para o fim do Janeiro, perdem o ânimo. Afinal, foram muitas noites perdidas, muita cantoria e batalha. Estão cansados os gatos. Estão magros, alguns com falta de pêlo, um pedaço a menos na orelha encartuchada, restos de sangue seco que lambem a custo, tapando a miséria da derrota.
Agora só lhes resta retirarem-se e recuperarem energias. É o descanso do guerreiro.
Mas até à Primavera, vai a fêmea pesada arrastar sozinha um ventre inchado, saltar telhados e quintais na busca de um carapau seco e espinhento que lhe traga, suspira ela, muito leite e boa hora.
 
9 de Janeiro de 2006