O eclipse





Uma manta branca de nevoeiro frio e molhado cobria os céus e lentamente como uma dama baixava uma saia suave para a terra.
Nas copas das árvores gotejava um orvalho cristalino que lacrimejava incerto para o solo.
E rápido, um prisma de arco-iris reflectiu rasgando em sete cores aquela água minúscula, atravessado como uma seta, pelo raio do astro maior.
O horizonte pintou-se então bicolor a azul fundo e laranja vivo.
O grito do pássaro deu o sinal de iniciar a vida e o planeta reiniciou a sua marcha.
O Sol, agigantado pelo olhar dos homens e vaidoso da sua imensidão abriu o peito e insuflado como um pecado bufou calor em toda a sua plenitude.
Ela em prata e namoradeira, covinhas de sorriso de raposa foi chegando sem ruído, dois passinhos de cada vez e quando se deu conta, o Sol tinha sido atropelado pela frescura daquela Lua.
Ficou a vê-la atónito, desejoso de lhe tocar, de se dessedentar de tanto calor. Ela ousada e poderosa nele se encostou e gostou daquele quente de desejo que o Sol maior lhe dava, intercâmbio de funções, um mercantilismo de poderes que ninguém entendia.
Dançaram e os homens tementes protegendo os olhos com a palma da mão deixaram que aquela imagem lhes tatuasse na alma para todo o sempre a força que o Sol e a Lua empurravam um para o outro.
Tanto se quiseram que por tempo não medido pelo tempo da Terra, o Sol apareceu a quem tinha o poder de o ver e enfeitou-se de Lua pois primeiro numa dentada, depois num quarto minguante trocou as voltas à volta do Universo e a Lua mascarada de Astro Maior emitiu luz, uma luz branca e amarela como se fosse de seu poder fazê-lo.
Ficou assim parado o Mundo, num anel perfeito que tapou os defeitos dos homens, escureceu os ódios e a mentira, esqueceu as diferenças, apagou a solidão.
E porque a Lua começava a derreter de tanto amor do Sol e o Sol tremia da emoção da Lua, despegaram-se os dois levando um pedacinho de si que vão guardar em gotas de nevoeiro, pinceladas a sete cores do nascer do dia até de novo se encontrarem daqui a vinte anos.
 
 
(Rio Tejo, 3 de Outubro de 2005)