A entrevista

 



Pediu que se sentasse, a educação obrigou-a a ficar de pé. Depois tomou assento, olhou as folhas ao contrário e descobriu-lhe o seu perfil. O interlocutor não a olhava, ajeitava os cantos das páginas, arrastava o nome como quem pega num carro que esteve muito tempo parado. Ela não sabía onde pôr as mãos, lembrava sua mãe e a proibição sobre cotovelos em cima da mesa, entalou-as entre pernas e sentiu as virilhas húmidas pelo nervoso que a electrificava, ía dizendo para si não falar, não falar antes de te fazerem a pergunta, abrir os olhos e escutar com o corpo todo, sentir o que vem do outro, as aproximações, o cruzar de braços, aprendera isso. A pergunta apareceu com reticências no final... A mudança, a mais-valia, empregou chavões com cabimento, não se balançou na cadeira, deu espaço, elogiu-se sem ser narcísica, calou-se quando interrompida. Mas as mãos traíam-na a cada espaço, volteavam, os dedos arqueavam-se como asas de pombo no namoro e por mais que a razão as atasse lá voltavam elas a voar independentes de lições bem tomadas. Não quis olhar o relógio, o interlocutor fazía-o por si e pela tarefa a cumprir, mais uma serei eu, não mais uma serei eu, que pensa ele de mim, porque não me vem à boca a frase certa como uma legenda correctamente revista? Colocou a tampa na esferográfica e ela sentiu o fim, ergueu-se, agradeceu e atabalhoada no comando das mãos recebeu dois beijos que não sentiu. Depois a sala agigantou-se na distância entre eles, sentiu-se cuspida para a parede que tinha nas costas, ouviu a resposta ao longe, muito ao longe: demasiado criativa para o que pretendemos, o seu lugar é nas artes, noutro sitio qualquer menos este, temos pena. As penas das mãos estenderam-se de novo e ela voou não sabe para onde, essa lição nunca aprendera.


Abril, 2010

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