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- Entre, por favor.
A última vez que o vira ela não o podía convidar porque não tinha casa e não tinha casa porque era uma garota e vivendo na asa de outrém, nem mesmo a educação marcada a fazíam sentir como dona de uma vontade, ele a entrar por pedido dela, ela a querer que ele se fizesse parte desse mundo de cá, o de dentro, o que acolhe minúsculos segredares que não se olham como segredos porque dizer segredos é feio e agora já não é, ele a entrar.
- Entre, vamos para a sala, sentemo-nos.
A última vez que o vira já tinha essa vontade de lhe pegar as mãos e até apertar-lhas um pouco, cingidamente até deixar de se perceber quem tem as mãos quentes mas não sabía como fazê-lo, demasiado miúda para saber as palavras da explicação e dizê-las sem o pensamento do indecoro, é visita, não se apertam cingidamente as mãos das visitas e tão pouco se deixam ficar assim sem mais nada a acrescentar, a justificação por exigir, o adiar das explicações até deixar de serem necessárias por já se ser grande.
- Cresceste, estás uma mulher.
A última vez que o vira ele era maior, menos encurvado, marcou-lhe os olhos a tentar levantar a pele e descobrir sobre o disfarce dos anos o outro, o outro que quisera convidar a entrar, a sentar, a segurar-lhe nas mãos palavras quentes que não se dizem.
- Da última vez que te vi, vigiava os teus passos, sempre temi que caísses por aquelas escadas...
- Eu?
- Sim, tu.
- Pensei que não gostava de crianças...
- Gostava de ti, tu eras diferente, olhavas as coisas de parte.
- Eu era uma criança.
- Mas olhavas e vías. E eu vía que tu vías.
Da última vez que o vira lembrava-se que sentía o rubor esbofeteá-la, amaldiçoava-se por se sentir descoberta de minúsculos segredares que dizía a si mesma, tinha medo que ele os soubesse, agora quería que ele os dissesse para ela calada concordar.
- Sempre gostei de ti.
- Eu não sabía...
- Acho que sabías mas tinhas medo.
- Eu nunca tive medo de nada.
- Pois não, só de ti.
Agarrou-lhe as mãos e prendeu-as nas suas, um ligeiro aperto para que ele soubesse, manteve-as assim até o calor avermelhar as mãos dele. Ele soltou uma pequena gargalhada e ela fechou os olhos. Naquele segundo, tão só naquele segundo não se lembrou da última vez.
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(Ao A.F., Trinitá )
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Janeiro/2010
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4 comentários:
Mais um momento grandioso que nos dás a ler. Obrigada.
Beijo enorme retribuído.
a eterna fã
marisa
só o presente conta
o que se sentiu na primeira vez já não existe. ainda conta? quem sabe...
é o AGORA!
e esse quando for passado
nada é
vou esperar outra quinta feira...
passou mais uma quinta...
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