Sonhos e detergente

 

 
 
Flores, chocolates, pérolas e atenção.
Muita atenção foi o que ele lhe dispensou durante três meses: E bastaram apenas esses noventa dias para ela sentir que a sua felicidade estava ali, que ele a valorizava por aquilo que ela apresentava, que homem algum a havia feito sentir-se tão especial.
Por essa razão não pensou muito quando ele a convidou a partilharem a vida em comum, a dividirem alegrias e contrariedades: mudou-se para casa dele e agradavelmente surpreendida, constatou que ele estava muito próximo da perfeição. Não só era um homem de charme e sabia cativar com os seus encantos como ainda se desdobrava em administrador doméstico dos mais apurados.
A casa dele estava impecavelmente arrumada, nada de toalhas molhadas por cima da cama ou peúgas deixadas no chão da casa de banho, um frigorifico bem recheado de comida e bebida variada e não só limitada a congelados rápidos ou cervejas de lata.
Tudo parecia um sonho realizado à medida dos anseios dela.
O único facto que quando em vez a fazia meditar era ele não a procurar mais, não lhe roubar um beijo pela manhã, ou tentar mesmo derrubá-la à saída do banho, quando molhada e brilhante se pavoneava em desfiles curtos junto a ele, metódico e rigoroso nos horários e lhe lançava um olhar admoestador sobre o atraso.
Quando à noite se deitavam ela mordiscava-lhe um ombro ou beliscava-lhe uma nádega para logo de súbito e numa pressa ele se acomodar em cima dela, sem afagos ou sussurros. E tudo acabava num repente sem mesmo ter começado para ela.
No dia seguinte, ele lá a surpreendia com um lenço de seda, ou uma reserva num restaurante Japonês.
Foram andando no tempo, sem tempo dela perceber que o sonho se desfazia na mão, sem mão para o materializar.
E um dia chegando a casa, tarde e cansada, encontrou-o num ânimo diferente, sentado à luz de velas, beberricando um vinho fresco e ouvindo “Blues”.
De sobrolho enrugado perguntou-lhe o que se passava e ele de mão esticada para as dela respondeu-lhe em tom de confissão que se andava a portar mal, que não a fazia feliz como ela merecia; ela, de beicinho esticado e compreensiva, argumentou maternal, que estava bem, que seria só uma fase a ultrapassar e que ele a compensava de outras formas, que outras mulheres invejariam o homem que ela tinha…
Sentou-se no colo dele e acariciou-lhe o peito aveludado de anéis de pelo dourado ao mesmo tempo que lhe apertava entre os lábios o pescoço forte e perfumado. A mão direita pressionava a nuca dele como uma impressão digital, conduzindo e orientando a boca até à dela. Beijaram-se, sem descolar os lábios, sorvendo um no outro o beiço húmido.
Ela agarrou o pulso dele e levou-o até ao peito, que ele amparou de palma aberta como uma garra, depois apertando, sentindo na concha da mão o alto macio mas firme. Ele desapertou-lhe o casaco preto de corte cintado, a blusa a seguir, descobrindo a lingerie rendada e transparente. Encostou a face e aspirou o cheiro quente do meio que separa os seios, de olhos fechados, depois mais uma vez e profundamente, e ainda outra roçando o nariz e a boca, a testa e o cabelo. Ela extasiada pela demonstração, esticou as costas e os músculos endureceram ao sentir o arrepio da respiração dele na pele, o ventre contraído à espera do toque, os pés esticados em ponta preparada para receber todos os sentidos em catadupa.
As mãos dele rodearam a cintura dela num puxão para si para logo a soltarem docemente, as palmas vagueando sobre o tecido da saia apalpando a carne das pernas, descendo até às canelas, subindo como uma vertigem até ao vértice do corpo. Aí sentiu uma fornalha, que acariciou, pressionou, esfregou. Ela emitiu um som baixo mas profundo, quase como uma dor. Ele repetiu o gesto mais intensamente, retirou a mão ainda quente e num extâse de ópio aspirou a palma profundamente, libertando-se num ah prolongado.
Ela surpreendeu-se um pouco com aquele acto mas não teve tempo para pensar mais no assunto, pois como uma mola ele levantou-se e deitando-a no chão encerado, arrancou-lhe as meias e o fio dental, que levou até ao rosto e esfregou por diversas vezes no nariz, na boca, no pescoço…para logo a seguir e de sacão entrar nela como um comboio, nunca perdendo da vista e da mão a lingerie rendada e transparente.
Quando sentia que o ânimo se esvaía, novamente aspirava o soutien, a cueca mínima, e aquele comboio sem freio voltava à linha para num ritmo cadenciado a levar num passeio por montes e vales. Chegado ao terminus, largou-a no chão, desengatando-se como uma carruagem, apanhou a lingerie dela e rumou à casa de banho.
Ela, mal refeita do acto e do desapego ficou ali, de costas, a olhar o tecto, os cantos da sanca, a revê-lo a aspirar a sua roupa interior como uma máscara de oxigénio, o cérebro a transbordar endorfinas de um cheiro intimo…ouviu a água a correr e pensou para si que ele tomava banho; ergueu-se e bebeu do copo dele o vinho que entretanto aquecera, desligou o CD e devolveu à casa a mesma regra e rigor de sempre.
E a partir daí era ciclicamente assaltada como uma rotina, a mesma musica de fundo, o vinho gelado, o coma do cheiro da roupa interior usada, os fluidos aspirados em profusão, a entrada e a saída abruptas, o correr da água.
No dia seguinte, sempre tinha uma lingerie embrulhada em papel de arroz, muito fino, fechado com um laço de veludo negro, nova, a estrear.
E de uma vez, em que a viagem havia sido mais curta e sem paisagem que a fizesse sonhar e divagar pelo prazer, levantou-se logo atrás dele e seguiu-a até ao som da água a correr.
Tapou a boca para não soltar o espanto: ele encheu o lavatório de água e detergente e num esmero de lavadeira, esfregou entre mãos a roupa interior dela, afogando-a na água de espuma. E cheirava-a e voltava a esfregar, a mergulhar, a cheirar…
 
 
18 Novembro 2005

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