Nina


 
 
O sonho dela era o mar.
O sonho dele é que ela fosse feliz.
Viviam sem medir as estações, os traços de riso a marcarem o rosto um do outro.
Tinham-se e isso era o bastante.
Mas porque ele lhe via nos olhos de quando em vez, aquela busca distante da linha do horizonte que separa o azul do verde e não lhe podia dar o mar embrulhado como um presente, resolveu construir uma miniatura de um veleiro que lhe aportasse à vista o sonho na sua mão. Assim, poderia sempre embalá-la no seu colo e imitar as ondas do mar, enquanto ela extasiada, elevava o barquinho ao alto e soprava sobre a vela branca como a brisa do mar.
O amor que ela lhe tinha era tanto que quando soube o que ele lhe queria oferecer pediu-lhe que construísse o seu sonho dentro de uma garrafa. Ele admirou-se com o pedido dela. Ela respondeu-lhe que assim o seu sonho nunca fugiria e sempre estaria presente para os dois.
E durante muito tempo ele foi encavalitando pedacinhos de madeira, colando lasquinhas de pau, minuciosa e lentamente, não só porque o trabalho era de paciência mas também para que o prazer de ambos perdurasse como prova do que tinham um pelo outro.
Quando o veleiro esbelto e delgado foi concluído, imponente com a vela alva alteando dentro da transparência do vidro da redoma que o encerrava, ele pintou a letrinhas brancas a palavra Nina, que era o diminutivo de menina.
A sua mulher menina recebeu-o nos braços e os olhos tão vidrados de lágrimas como a garrafa que protegia o seu sonho, mostraram a ele que tudo o que precisava na sua vida, tinha.
Passou muito tempo e de quando em vez punham-se os dois ao longe, a admirar aquele veleiro elegante que parecia navegar no azul do céu, livre, a vela enfunada e garbosa.
Um dia, ao prepararem-se para uma dessas viagens que faziam, ela ao transportar a garrafa deixou-a cair.
Tinha passado muito tempo que estavam juntos e as mãos dela tinham perdido algum vigor e a força de outrora tinha ido toda só para o coração.
A garrafa ficou a balouçar no chão, intacta.
Mas o veleiro rachara-se ao meio e a vela majestosa, perdido o apoio do mastro grande. Jazia em dois e chocalhava com um barulho de roca triste.
Ela olhou para ele e não foi capaz de dizer nada…Ele agachou-se com alguma dificuldade e tomou nas mãos o sonho quebrado depositando no regaço dela o Nina.
O nome continuava inteiro. Foi então que ela notou que dentro do barco agora esventrado, um rolinho de papel amarelecido espreitava. Ela abriu os olhos e ele sorriu-lhe com a juventude do seu amor.
Ela sacudiu a garrafa transparente e o pedacinho de papel saiu como por magia. Desenrolou-o e leu “Amo-te Nina”.
Ele beijou-a meigamente na testa e ela abraçou mais o seu sonho.
O tempo levou-os mas há quem afirme que de quando em vez um veleiro sobrevoa os céus, quebrado no mastro, e até algumas gargalhadas se escutam para o mais apurado de ouvido, tornando felizes aqueles que o avistam.
 
30 de Agosto de 2005